segunda-feira, 12 de setembro de 2016

PROCURA NA LAMA DO FUNDO DO POÇO QUE VOCÊ ACHA

Transtorno obsessivo compulsivo é pouco. Pus num rascunho, em ordem alfabética e decrescente (seguindo uma escala de atrocidades), mais de mil motivos que desmoralizam o ser humano, mas seria deveras desumano para mim — escritor de ímpeto animalesco explicitar todos eles nestas linhas, e cansar os seus olhos com uma tremenda crônica autodestrutiva.


Perda de tempo? Exercício idiota? Falta de sono, de prozac, de uma botija de rum? Falta do que fazer? Tá certo. Mas, por ventura, repetir um mantra até secar a língua lhe parece uma coisa das mais sensatas? Pois é. Eu prefiro denegrir a humanidade. E ela merece, meu chapa. Ah, se merece. Sou bom em solapar castelinhos de areia.
Meu vício — um de meus defeitos mais incríveis, posso assim dizer — é buscar na História, e também na observância canina dos eventos da atualidade, compreender o papel do homem dentro do caos chamado Planeta Terra. Quisera eu fosse um eremita, um antissocial desavisado, um ignorante mouco cuja crença divina mais relevante se resumisse a idolatrar as chuvas de verão, o filé de salmão arrancado à unha de uma corredeira de rio, um punhado de amoras apanhadas no pé. Sofro como um porco na ponta de um canivete, ao tentar aceitar a vida como ela foi, é e será.
Numa certa tarde viável e bela, perguntaram-me se eu me considerava um sujeito feliz, tipo de questionamento dos mais provocativos, cínicos (eu logo percebi), muito mais constrangedor que procurarem saber por que não conjugo o verbo amar à luz do dia. Claro que a resposta foi um não.
Ocorre que eu sinceramente não concebo a felicidade de uma forma individualista, aquela servida em postas, detalhada nos extratos bancárias periódicos superavitários, fatiada em hectares, vigiada por cães farejadores, detida por muralhas de concreto armado, concertinas afiadas, sirenes, policiais truculentos com olhos de lince armados até os dentes.
Sinceramente: o sorriso de um miserável banguela, quando a bola finalmente decide atravessar a linha do gol, parece-me muito mais comovente que a dentição perfeita, por exemplo, de uma Nicole Kidman. Detalhe desenxabido: eu amava tanto a Nicole Kidman nos anos 90. Amava como um tolo. Amei tanto até conseguir desmamar da fantasia de sugar a sua boca como se fosse um geladinho sabor groselha.
Quisera a vida fosse mesmo tão doce e bela quanto as supostas bocas açucaradas das atrizes de Hollywood. Os dilemas da ficção — quase sempre repletos de finais felizes — provocam em mim tanto ou mais desalento que a vida real. Porque uma mentira, repetida inúmeras vezes à exaustão, acaba se tornando, além de um mentira deslavada, uma prova do poder de convencimento do tirano por meio da força bruta.
Filhos da puta geralmente morrem velhos, insanos, ganindo, babando, numa chamada “morte natural” (aquela naturalmente aceita pela maioria dos ignorantes que querem céus), o que não deixa de ser uma pena. Asilos e manicômios (os poucos que ainda restam para se depositar os “estorvos sociais”) estão repletos de simpáticos velhinhos que não dizem coisa com coisa, amparados pela loucura, entregues à miséria de suportarem seus próprios sonhos arrogantes e autoritários.
No atual cenário de egocentrismo globalizado (o que será que significa isto que eu escrevi?!), só um líder político otário ousaria sonhar com a conquista do mundo. Nem o déspota ególatra mais atirado arriscaria tal empreitada. Bom mesmo é manter aquele status quo domesticado entre os compatriotas, no qual manda quem pode, obedece quem tem juízo. Os miseráveis de níqueis e de cultura geralmente são mais afeitos à submissão, à idolatria e ao voto de cabresto.
Putz!! Do que diabos trata, afinal, esta crônica?! Cara, nem eu mesmo mais sei. Mas me sinto mais liberto agora. Mais leve que a fumaça preta de um bombardeio surpresa sobre alvos civis em Damasco. São tantas as coisas que eu teria a dizer a respeito da miserável condição humana no planeta, que nem sei bem por onde começar, muito menos, como terminar. Então, eu paro por aqui. Ora, tudo nessa vida tem um limite (exceto, o fanatismo e a morte).
Mesmo os transtornos, as obsessões e as compulsões têm os seus finais. Até mesmo esta mania de tentar manter, a minha maneira, tudo sempre em ordem: a escova de dentes ao lado direito da pasta, as trepadinhas de sábado à tarde, os pensamentos melancólicos nas noites de domingo, os desalentos das segundas-feiras.
No início, pensei em listar os podres da humanidade numa sequência aparentemente lógica, como os estupros coletivos na Índia (última moda em matéria de diversão sádica masculina), os ataques fratricidas com o nojento mister das armas químicas na Síria, os aviltantes testes nucleares na Coréia do Norte, o crescente compartilhamento dos decrépitos vídeos domésticos com orgias pedófilas da internet, mas a fedentina moral fez-me mudar de ideia mais uma vez.
Nem o botão de delete do teclado, nem a assepsia com creolina, nem os mantras indianos repetidos à exaustão (de que vale tanto misticismo se o que conta mesmo é a bruteza da carne?), nem a benção de um papa jesuíta com levadas franciscanas, nem os provavelmente adocicados lábios de Nicole Kidman vão me redimir. Ela jamais me beijará. E eu receio que nunca mais restitua uma nesga sequer da crença no ser humano. Não lhes parece uma situação deveras lamentável?

Texto publicado por Eberth Vêncio.

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