segunda-feira, 13 de março de 2017

Xenofobia: a forma de agir de insetos rasteiros

Em todas as universidades que trabalhei no Brasil, sempre fui tomado como um estrangeiro. Havia o “nós”, os “da casa”, e havia o “ele”, ou seja, eu, o estranho. Nunca dei tempo ao tempo a ponto de ser integrado ao “nós”. Nem acredito que isso ocorreria. Não era uma questão de tempo, mas de aceitação incondicional ao local. Nunca fui de aceitações incondicionais, se fosse, não seria filósofo.



Fran e eu levamos o Pitoko no parque regularmente. Lá ele tem uma “turma”. Essa turma forma o “nós”, que avalia em conjunto se um novo membro pode ou não vir para dentro do clube. Um cachorro novo no ambiente é cercado, identificado como estrangeiro e, depois de algum tempo, não raro, é acolhido. Há um rito de passagem e aceitação, algo que ocorre por meio de uma rápida assembleia. Em seguida há brincadeiras conjuntas e em pouco tempo o rito se efetiva a o novo membro já passa a ser “da casa”. Infelizmente, no ambiente humano mais civilizado, essas assembleias e rituais não existem. Impera um xenofobismo institucionalizado apriorístico. Os “da casa” são os eternos donos do lugar, principalmente se o lugar é declarado de todos, público, aberto etc. Quanto mais é oficialmente de todos, menos é de todos.
Assim funcionam os bairrismos. Em alguns casos são peças de uma brincadeira que dá para aturar. Em outros, como na situação re-emergente agora com o descabido Trump, revivemos o que há de pior em nós. Trata-se do ódio arraigado, que caracteriza a direita, e que se manifesta no cotidiano ataque desse tipo de gente à ONU, à medida que se trata de uma entidade cosmopolita. Ser da direita  extremada é ser xenófobo, por definição. Algumas pessoas que se dizem de direita negam isso. Ora, se na prática negam isso, então não são de direita. Os graus  do xenofobismo – que tem facetas em tipos de nacionalismo e no racismo – variam, mas nunca a ponto de não aparecerem como marca da extrema direita. É a carteirinha de gente que gosta de fazer muro para todo lado. É um comportamento ridículo,  esse de erguer muros, principalmente em época de avanço de mídias como as que temos agora. É um comportamento pouco inteligente.
Alexandre foi aluno de Aristóteles. Foi um imperador e conquistador sábio. A cada lugar que chegava e conquistava, promovia logo o casamento de seus soldados com as moças do lugar. Fazia questão de tornar todos, de certo modo, um pouco greco-macedônios. Punha contra o xenofobismo a melhor arma, a criação de relações sanguíneas. Os romanos tentaram imitá-los, mas tiveram tanto êxito, não fizeram uma política correta de integração, e não à toa sucumbiram diante de uma religião nascida num pequena colônia. Mas essa religião, por meio de Paulo, tornou-se uma forma de cosmopolitismo ocidental. Ao menos em um bom espaço, fez diminuir o xenofobismo.
No Brasil de hoje, não raro a direita tresloucada e carcomida ataca a Rede Globo, e nisso é seguida pela esquerda que, enfim, em nosso país tem atitudes pouco diferentes (o estalinismo era xenófobo, nunca deixou de ser uma russificação!), pois essa TV apresenta traços cosmopolitas, ela põe São Paulo na conta de Nova York, ela instaura um português sem sotaque carregado do regionalismo, faz com que o Brasil se sinta Brasil se consegue entender o mundo. Isso faz a direita urrar. A extrema direita adora cultivar raças superiores, mas, no fundo, por temer a concorrência do outro, se fecha e, fazendo isso, se mostra como acreditando ser inferior. O xenofobismo pode vir com a capa de quem se acha superior, mas se revela na prática, na sua forma medrosa e violenta, como a forma de proteção de quem realmente acha que vai perder chances se o inferior entrar em seu espaço. Essa direita imagina aquele que  trata como inferior como bem superior.
Quando olhamos com ódio os “de fora”, quando criamos restrição aos “outros”, incômodo com “estrangeiros” e “estranhos”, ou quando invocamos com os que vieram “sabe-se lá da onde”, ou quando gritamos contra o nosso governo se ele quer ajudar tais pessoas ou se quer mandar dinheiro para ajuda humanitária internacional, em todos esses casos estamos trilhando o xenofobismo, e isso, em termos políticos, é por definição estar à direita. Sinceramente, é difícil qualificar uma tal posição como inteligente. Não é. É apenas uma forma de agir de insetos que vivem em coletividade, formigas rasteiras abrindo ferrões contra um grilo que pode saltar, passar por cima delas, e alcançar pontos mais belos.
Paulo Ghiraldelli, 59, filósofo. São Paulo.
http://ghiraldelli.pro.br/

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